Houve um tempo, muitos anos atrás, época dos Celtas, Trácios, Dácios, Ávaros, Hunos e Ilírios, em que ainda não havia esses hotéis bacanas e mais em conta, menos ainda AirBNB ou modernidades congêneres, e as opções para o acachambre eram muito mais restritas.
Para casos urgentes, em síntese, era oito ou oitenta. Por “oito”, entendam aqueles hotéis do centrão, derrubadíssimos e bem pouco afeitos às regras mínimas de higiene e saneamento básico. Ou seja, sem chances. No caso dos “oitenta”, hotéis luxuosos, bem caros, que quase nunca permitiam check-in no meio da noite, menos ainda curtíssimas estadias. Também sem chances.
Tempos complicados. Nessa época, como se imagina, os motéis tinham um mercado e tanto - bem com os drive-ins e, vale lembrar, as famigeradas “pracinhas” (todos os bairros tinham as duas, em que os carros estacionavam com relativa segurança para os namoricos, por assim dizer), mas este último grupo a gente deixa para lá. O foco agora são os motéis; foquemos, pois.
Claro que era legal, claro que no fim das contas o saldo era positivo, mas, obviamente, havia também percalços, constrangimentos e pontos complicados. E é deles que falarei neste post. Vendo em retrospecto, agora muitos anos depois, todos até que soam engraçados.
Então bora!
A Fila
Comecemos por ela, a fila. Sim, fila. Lembrando que, no caso dos motéis (os mais jovens talvez não saibam disso, ainda que eles ainda existam), as filas são de carro. Então ficava aquele TRÂNSITO enquanto a pessoa da portaria (em seguida falaremos disso) atendendo um a um enquanto os demais esperavam. Um constrangimento e tanto. Não era tão raro assim algumas desistências, seja pela demora, seja por arrependimentos.
A depender da data (acreditem ou não, o dia da secretária era uma delas), a fila era imensa. Acontecia até – juro! – de haver um PÁTIO DE ESPERA em alguns motéis. E não era exatamente raro quando alguns basicamente abandonavam a espera porque acabavam resolvendo as “pendências” no automóvel mesmo. Pois é.
A Simpatia na Portaria
Um atendente do Detran é mil vezes mais simpático do que boa parte das pessoas das portarias dos motéis em tempos idos. Era dureza. Aquelas caras, a um só tempo julgando o provável futuro deleite do casal e mensurando dissabor daquele trabalho, o adiantado da hora, enfim... O atendimento não era exatamente afável.
Aí, tal qual nos departamentos de trânsito – bem como em aduanas aeroportuárias e fiscalizações de trânsito em geral – a desconfiança era a regra. Olhavam documentos de identidade (sim, deveríamos apresentá-los) como quem estivesse prestes a apanhar algum foragido da justiça. Uma coisa desagradabilíssima. Todo e qualquer clima prévio tinha tudo para ser arruinado ali. Mas mantínhamos a chama acesa, eram tempos que exigiam um pouco mais de bravura, digamos.
Escolhendo o Quarto
Ainda na portaria, dava-se um dilema complexo. Tínhamos de realizar uma equação delicadíssima, pois a lista de quartos era sempre imensa, indo daqueles mais baratos até os mais caros. Ninguém queria ficar no pior, é claro, mas também quase nunca havia dinheiro para o melhor (na verdade, de minha parte, nunca mesmo).
Como dizem os sábios, a ideia seria ficar no meio termo. Ok. Ainda assim, a verdadeira sabedoria muitas vezes consistia em escolher motéis cujo meio termo não fosse também abusivo (e não eram poucos, acreditem!).
Quanto a esse pormenor, aliás, um conhecido adotou tática curiosa: tinha o hábito de vez por outra citar “causos” sobre doenças adquiridas em banheiras e piscinas de motéis (era mentira). Aí, na vez em que ia para estabelecimentos do tipo, chegava na portaria e pedia cheio de si: QUERO SUA MELHOR SUÍTE, DESDE QUE NÃO TENHA BANHEIRA NEM PISCINA! Não sei se funcionava. Arrisco dizer que não.
Motéis (e Quartos) Temáticos
Eram frequentes (não sei se ainda são) os motéis temáticos e os quartos acompanhavam a toada. Mais ainda: os preços também acompanhavam. Desse modo, por exemplo, um motel que adotasse o tema das pedras tinha lá como melhor quarto o diamante e, claro, o pior seria alguma coisa como o calcário ou algo do tipo. Risada garantida na portaria.
Também risada garantida no quarto, já que obviamente as decorações ACOMPANHAVAM A TEMÁTICA. Jamais esquecerei a visita a um desses, cujo tema abordava o glorioso Egito antigo. Afinal, poucas coisas inspiram tanto nossa libido, não é mesmo? Complicado.
A Cama
Chamar de “cama” aquele tipo de coisa já exige certo grau de licença poética – aliás, chamar isso de poesia, também. Vale até mesmo indagar em que momento alguém resolveu que a cama redonda seria adequada para o sapeca iá-iá. Por que isso? Mas o pior nem é isso. O pior mesmo é aquele colchão plastificado (o que é compreensível, pois ali deve ter acontecido coisas a justificar o procedimento).
Não bastasse a péssima qualidade do estofado, tinha mais aquilo. E o espelho no teto, outra bobajada. E as luzes com cores mocorongas, mais bobajada. E o controle estapafúrdio com botõezinhos toscos das luzes de cores mocorongas; mais e mais bobajada. Tudo era cafona demais, minha nossa.
As Refeições
(insira aqui seu trocadilho favorito sobre “comer” no Motel, no sentido literal/digestivo, depois prossiga no tópico)
Para além do tal “almoço executivo”, Motéis passaram a servir jantares temáticos e isso acontece até hoje, pois vi uma faixa ao pegar determinada rodovia: NOITE MEXICANA. Imaginei toda a graça e o romantismo daquela noite após, sei lá, o casal comer alguns tacos e degustar um frugal “chili con carne”. Dureza. Mas já acontecia coisa parecida antes.
Lembro das batatas fritas, que chegavam com um magipack por cima e, por conta disso, deliciosamente murchas (não, não fui eu que pedi e, não, eu não iria recusar o pedido alheio naquela altura do campeonato). Ao longo dos anos, começaram a servir pizza, comida mexicana, feijoada e assim por diante. Há LITERALMENTE estômago para tudo, mesmo. O que nos leva ao próximo tópico.
O Banheiro
Pois é, o banheiro. Esqueçam o pequeno detalhe a que chamamos de privacidade, pois ele era solenemente ignorado, a começar pelo outro detalhe denominado PORTA. Havia porta? Havia, porém DE VIDRO. Vidro fosco, é verdade, ainda assim ocupava apenas a metade da parede, como aquelas portas de “saloon” do velho oeste. Uma pessoa em pé, atrás da porta do banheiro, ficava “coberta” apenas dos joelhos até os ombros.
Agora apenas imagine como seria caso a comida mexicana fizesse o efeito que, afinal, dela se esperasse. Exatamente. Seria preciso de uma vez por todas romper com toda a magia do mistério da intimidade e partir para a pirotecnia fisiológica com direito não apenas aos sons e cheiros, mas também a imagens – ainda que “ofuscadas” pelo vidro que mantinha certo suspense sobre a pessoa que ali estivesse sentada descarregando suas urgências. Aplausos aos que tiveram essa ideia genial!
A Saída
Novamente, riscos de fila, e eram mais comuns do que na hora da entrada. Isso por vários motivos. Primeiro, porque na entrada não precisava pagar, então o procedimento sempre é mais rápido. Segundo, porque cada um chega num horário, já a saída – havendo pernoite – era mais ou menos numa mesma hora, o início da manhã. E aquela “simpatia” ficava ACUMULADA, se é que me entendem. A parte boa é que em alguns casos davam bombom.
Enfim
Não era barato e, na hora de pagar, batia aquele remorso. Tal como numa ressaca, prometíamos não fazer aquilo de novo, rememorávamos os lados ruins de tudo, as partes desagradáveis e tudo mais. Não repetiríamos, ponto final! E lá estávamos na outra sexta-feira ou, no mais tardar, no sábado seguinte. Às vezes antes, também. Em caso de aperto, um drive-in. Em caso de EFETIVO aperto, as citadas pracinhas. Mas de alguma forma, lá ou em outro lugar estávamos. E íamos que íamos.
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